Dia desses eu estava procurando um texto para me sentir
melhor após o que só poderia ser descrito como um ataque de nervos. Um assunto
levou a outro e me deparei com um especificamente que falava sobre a
experiência de relacionamento de uma mulher com um de seus namorados. Ela se intitulava
de conflituosa e complicada, sempre encontrando problemas em seu
relacionamento, explodindo de fúria e depois se sentindo culpada pois
acreditava que era tudo uma tempestade criada por ela. Creiam que eu me
identifiquei com ela.
Mas não me vi atualmente, e sim antigamente.
Uma pessoa que, em todos os seus relacionamentos
interpessoais, se sentia responsável por criar os conflitos internamente e
descontá-los nos outros. Sempre a pessoa que pedia desculpas primeiro, morrendo
de ansiedade para que aquele mal-estar acabasse. Sempre acreditando que estava
errada ou exagerada. Em alguns momentos eu realmente estava muito errada, mas
nós não estamos falando de uma pessoa com visão crítica de situações em que se
via errada e outras na razão. Estamos falando de TODAS as situações eu me vendo
errada. Com o passar do tempo, aprendi a dominar meus sentimentos de raiva,
injustiça ou ciúmes e não expô-los. Como aquela moça no ônibus, aprendi a viver
em uma aparente indiferença, inabalável e sempre positiva. Escutava
pacientemente as reclamações e, muito calma, me desculpava por incômodos. Fazia
o possível para não guardar rancor.
Depois de um tempo, comecei a acreditar que as ações dos
outros eram fruto de posturas minhas, e me sentia culpada pela dor que essas
pessoas me faziam sentir. E me sentia culpada porque supostamente havia
provocado essa ação por parte delas. Mas, quem olhasse, não via isso. Do lado
de fora eu era imbatível e segura. Por dentro, estava sempre desmoronando. Comecei a ranger os dentes enquanto dormia e a
ter sonhos cada vez mais violentos. Roía as unhas e a pele dos dedos e também
mordia a bochecha por dentro da boca. Em um dado momento, cheguei a desenvolver
gastrite e notei que meu cabelo estava caindo mais do que o normal. Quem mais
sofreu com isso foi minha mãe, que muitas vezes recebia reações
desproporcionais, fruto de inúmeros estresses reprimidos. Como boa mãe, nunca
deixou de me amar por isso, mas teve muita preocupação. Também me reprimia um pouco, certamente porque
vivia escutando gritos em cima de gritos, e me perguntava onde estava aquela
criança educada que nunca levantava a voz. Essa criança estava ocupada sendo
educada com o resto do mundo.
Resultado: eu mesma não me aguentei e fiz terapia. E foi
preciso muitas horas de conversa para começar a me sentir confortável com meus
sentimentos e confiante em mim mesma. O primeiro embate que eu tive com um
namorado e precisei segurar o tranco para não ceder à pressão de me desculpar e
acabar logo a briga foi um inferno para mim. Poucas coisas poderiam ser menos
confortáveis. Aos poucos, fui me sentindo menos ameaçada pela raiva que poderia
elucidar nas pessoas. Comecei a internalizar que precisava tomar meu próprio
partido e defender minhas causas.
Comecei a me preocupar menos com ser educada
e mais com ser confiante. Às vezes chegava até a ser grosseira. E comecei a me sentir melhor. Notei que diálogos
funcionam melhor do que ficar calada, mesmo que sejam desconfortáveis. E
encontrei uma força para me impor onde achar necessário. Parei de me vitimizar
para mim mesma e assumi uma postura de auto respeito.
E depois veio Lia, e minha coragem a autoconfiança cresceu
em milhares de porcentos. Seja pela consciência sobre humana que eu tenho de
que preciso ser um exemplo para ela, seja pelas mudanças que ela trouxe em mim.
Não sei se, sozinha, ela teria sido cura para minha passividade, mas acredito
que sim. Essa transformação de mulher para leoa quando se vira mãe é chocante.
De toda forma, sou feliz que não esperei até Lia para mudar minhas atitudes. Feliz
que já havia eliminado muitas das minhas dúvidas em relação a mim mesma quando
ela veio ao mundo.
Às vezes as pessoas ainda estranham. E eu sou bem feliz em
poder dizer que isso não me incomoda nem um pouco. Hoje em dia, não tem
vergonha no mundo que me faça poupar uma reclamação. Ainda existe medo em me
sentir culpada ou errada, mas ele fica bem mais distante. Às vezes saio tão abalada de confrontos que me tranco no banheiro e começo a chorar. Mas não recuo. Cansei de carregar
anseios e receios e cansei muito de fazer meu corpo passar por tensão reprimida.
Quando penso nessa parte de mim, me pergunto se é
uma questão de gênio ou se foi falta de incentivo enquanto estava crescendo.
Talvez um pouco dos dois. E me pego sempre preocupada em mostrar a Lia que ela
pode, e deve, se defender sempre. Principalmente por ser mulher, a imposição
contra o abuso – físico, psicológico, moral - deve ser constante. Mas como é delicado esse equilíbrio! Ensinar a
uma criança que ela precisa respeitar a vulnerabilidade do próximo, contanto
que não esteja agredindo ela de qualquer forma. Ajudar ela a controlar a
brabeza em alguns momentos mas preservá-la em seu cerne durante toda a vida. O
resultado de apagar esse fogo pode ser devastador.
Julia, que maravilhoso! Não conhecia esse blog, só acompanhava o que você postava no Facebook. Me delicio com cada historinha, mas a identificação com esse texto foi surreal. Continua escrevendo, quero mais! :) Parabéns, viu?!
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