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- Tudo é possível?
- Sim.
- Quer dizer que é possível você virar um passarinho agora mesmo e sair voando?
- éééér...sim. É possível.
- Então vai, vira aí um passarinho.
(silêncio)
- Eu não posso.
- Então não é possível.
Até hoje me lembro de uma aula de filosofia que assisti na 4ª série. Durante um hiato de 6 meses em que viemos viver no Brasil, fui colocada em uma escola de freiras onde, vocês podem imaginar, a educação era bem tradicional. Por sorte foram só 06 meses. Durante essa aula, o professor foi de aluno em aluno com a seguinte pergunta: Você acha que tudo é possível?
E eu me lembro que todos nós, sem exceção, dissemos que sim. E ele pediu para justificarmos e houve uma explosão de justificativas lindas de crianças de 11 anos. Aí então ele foi de aluno em aluno, perguntando novamente se tudo era possível. Mediante as respostas afirmativas, ele voltava com "Quer dizer que é possível você virar um passarinho agora mesmo e sair voando?". O que responder? Oras, para não perder a moral, responde que sim! E aí o professor volta com "Então vai, vira aí um passarinho". E todos os alunos, todas aquelas crianças de 11 anos, que acreditavam sinceramente que tudo era possível, no auge da fertilidade de suas imaginações, se viram obrigados a dizer que não era possível.
Eu não me lembro do restante da aula, não lembro qual era o objetivo que ele tinha de discussão e muito menos o que aprendi de positivo nesse dia. Lembro que, depois disso, virou uma febre na sala de aula de dizer que as coisas não eram possíveis. As brincadeiras, por um tempo, deixaram de ser fantasiosas e viraram duras e reais, baseadas em o que era plausível. Foram meses até que se abrandassem e voltassem a ser relativamente mirabolantes.
Durante muito tempo pensei nessa pergunta, ainda criança, e fiquei imaginando maneiras de virar um passarinho para provar a ele que ele estava errado. Que tudo era, sim, possível. Porque na imaginação de uma criança, tudo é possível. E isso não é assunto para professor questionar jamais.
Por essas e outras nós já sabíamos que Lia não estudaria em uma escola tradicional. Tirando essa experiência, eu tive a sorte de passar meu ensino fundamental sempre em escolas alternativas. Giba não teve tanta sorte e passou a vida detestando ir à escola, sofrendo com a falta de incentivo criativo dentro do sistema de ensino e se desinteressando por tudo que viesse desse ambiente. Ele, que hoje vive com o nariz colado dentro de livros e faz mestrado em Letras, até o final da adolescência destetava ler. Quer dizer, de que adianta essa ansiedade toda pra ensinar as crianças a lerem com 02 anos de idade se de ali em diante vai virar uma obrigação e não um prazer? E de que adianta passar no vestibular - foco-mór da vida desde que se entra no maternalzinho - se se passou 16 anos vivendo infeliz? Aprendeu o que pra vida?
Isso sem falar no desrespeito total à individualidade e ao tempo de de cada aluno (até parece que nasce todo mundo com o cérebro de fábrica que absorve tudo no mesmo ritmo e frequência), ao estresse que se impõe com as avaliações, ao desamparo do sistema, à indiferença do corpo docente, à falta de inclusão dos que não acompanham o padrão imposto pelas escolas. Resulta em? Um monte de gente insegura e insatisfeita com a vida, que precisa esperar anos para ter o direito de se descobrir. Que precisa de um tempo para respirar e pensar no que querem. Que precisam se dar o direito de se inventar e reinventar porque, bicho, passar esse tempo todo comparado e forçado a ser igual a todo mundo não é fácil. Às vezes tem os que descobrem mais tarde que querem ir pra faculdade, outros que descobrem que nunca quiseram, outros que precisam sair do país para se encontrar. Não importa quando ou como, o importante é buscar se realizar. Mas bem que eles podiam ter o direito de fazer isso durante a escola, né não?
Haja culhão pra lidar com tanta caixinha de ferro.