Caminhando para casa, parei em uma praça e vi um casal de
jovens sentados em um banco. Em dado momento, pararam de se beijar graças a um telefone tocando. Era do jovem, uma outra menina. Fiquei sabendo graças à
saudação calorosa que ele estava berrando aos quatro ventos. E vi também a
expressão rápida, quase imperceptível, de dor física que a jovenzinha que estava
com ele soltou involuntariamente. Em uma fração de segundo ela se recuperou e ninguém
no mundo poderia desconfiar que estava sentindo algo. Sua expressão era de
normalidade total, um ar de feliz indiferença. Levantou-se, comprou uma água e voltou para o
banquinho. Ele havia acabado a conversa. Com um sorriso no rosto, ela perguntou
quem tinha sido. Ele respondeu, ela sorriu, ele abriu o celular para checar se
havia recebido mensagem. Vi ela se controlar para não olhar e forçar a cabeça
para o lado oposto com uma naturalidade incrível, enquanto tomava um gole de
água. Ele guardou o celular e voltaram aos amores. Logo tocou novamente, era
outra mensagem. Não fiquei para ver o desenrolar, mas imagino que ela tenha continuado
com sua segura naturalidade. Por chance, ela acabou na mesma parada e subiu no mesmo ônibus que
eu. Estava com um olhar oco, como quem está arrancando farpas de dentro da pele
e sofrendo com cada puxada de ar. Não estava chorando, mas estava visivelmente
triste. Passei a viagem inteira olhando para ela.
Me vi nessa menina. Hoje em dia, olho e vejo todos nós nela.
Os sofrimentos calados, a leveza forçada, todo um mecanismo de convencer ao
público e a nós mesmos que não somos afetados por mediocridades.
Ao primeiro olhar, as pessoas parecem normais e completas,
sem traumas e sem dores, esbanjando confiança e felicidade. Uma multidão de
pessoas bem resolvidas, com relacionamentos saudáveis, milhares de amigos, zero
preocupações e absolutamente nenhuma dívida. Um mundo de pessoas fortes, que
não levam desaforo para canto nenhum. Pelo contrário, retrucam e saem de
confrontos totalmente desabaladas.
Essa persona é fácil de encarnar. Basta colocar um sorriso
no rosto (irônico ou não), menosprezar tudo e fingir que nada pode magoar você.
Você é blasé, você não se afeta, tudo bate no seu couro e faz cócegas. E a
grande maioria de nós utiliza desses recursos para viver, supostamente, com o
mínimo de cicatrizes emocionais possível. Se resguardando da vergonha, da
exposição, desse sentimento de nudez da alma.
Essa persona pode parecer que facilita a vida. Nos exime da
vulnerabilidade do ser. De mostrar nossos conflitos, inseguranças, usar o
coração na manga e deixar os sentimentos transparecerem. Mais fácil do que se
deixar sentir em público.
Mas não deveríamos querer fugir da nossa vulnerabilidade. Nossa
humanidade é imperfeita, precisamos dessa falta de lapidação. Chorar, sentir
raiva, sentir amor, sentir alegria com besteirinhas, esses e mais centenas de
sentimentos que precisam ser repreendidos dia após dia são, na verdade, o que
dá o sabor à experiência de viver. Ser emocionalmente desapegado não é benéfico
para si e para o mundo que olha para você. Talvez pensar quinze vezes antes de
falar o que sente não seja o melhor conselho. Talvez falar o que está
sentindo e esperar a reação sincera – positiva ou negativa – seja a
melhor opção.
Não é a mais fácil, mas é a melhor. E nem todos vão aceitar. Pessoas se
assustam, não sabem como reagir e aproveitam a oportunidade para se
sentirem superiores. Como se um sentimento fosse passível de tornar uma pessoa
ridícula. Nenhum ser humano é ridículo. Ou melhor, nós todos somos
ridículos. Não precisamos sentir vergonha disso.
Talvez a fortaleza emocional dos filhos que queremos criar
esteja incutida nessa liberdade para sentir, expressar e se expor sem medo de
sermos vistos como fracos. Crianças conectadas com seus sentimentos se tornam
adolescentes mais confiantes e adultos mais corajosos. Pessoas mais generosas e
suaves para com o próximo. Existe uma força que deve ser explorada dentro da
fragilidade de cada um de nós.