terça-feira, 26 de novembro de 2013

Minha guia

Alguns dias eu me sinto como se não existisse mais pedaço algum da pessoa que eu era antes de Lia nascer. Nesses dias, eu fico de luto pelo tempo que tinha e que não usava. Ou pela energia que eu tinha e não sabia. Também pela liberdade e a criatividade. Eu sinto muita falta de sentar e me sentir inspirada pra escrever sobre algo além da maternidade. Ou das minhas frustrações. E olha eu aqui, escrevendo sobre isso novamente. Eu sinto falta de tudo isso, mas hoje, especificamente, eu vim escrever sobre a saudade imensa que eu tenho de sentar ao piano e descarregar meus sentimentos ali. Hoje em dia eu praticamente não toco mais. Meus horários livres são à noite, na hora que Lia está dormindo.

Toda vez que essa saudade bate, eu me prometo que vou arranjar uma hora por dia pra praticar. Essa hora não existe, mas eu argumento comigo mesma que é só uma questão de realocar atividades. Há mais de um ano que essa realocação fica pra depois.  Trabalho, trabalho, trabalho, fico pouco com minha filha. E minha filha vem antes do meu piano.

Tem dias que namoro ele bem muito, sento no banco e ensaio colocar os dedos sobre as teclas. Mas não aperto.  Faço os movimentos que a partitura mandaria e imagino o som saindo dali. Minhas mãos anseiam pra sentir o peso das notas abaixo delas. Olho Ernesto falando comigo, me desafiando: será que ainda consigo tocar o Odeon com a rapidez e destreza que antes? Não consigo.

Nesse momento eu fico bem triste.

E aí escuto um chorinho e o mundo volta ao colorido que havia se perdido no preto e branco da minha saudade. Ela me chama de volta. A menina de olhos vivos. Minha guia. Minha inspiração, meu assunto predileto. A minha obra prima. Minha chama sempre acesa.

Às vezes me perco em mim mesma. Não tenho maiores problemas em admitir isso. Me sinto mais humana. Menos na obrigação de aparentar ser mãe-maravilha. Mais sincera comigo mesma. Mais sincera com minha filha. Talvez porque sendo assim, sincera, eu acho que ela vai entender, e acreditar, que meu amor por ela é maior que qualquer saudade na vida. Tudo, absolutamente tudo, é infinitamente miúdo ao lado de Lia.

Tudo. =)